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LIBERDADE DE EXPRESSÃO não se confunde com LIBERTINAGEM DA EXPRESSÃO

  • Foto do escritor: Flávia Valéria
    Flávia Valéria
  • 28 de abr. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 1 de jul. de 2022






A chegada da velocidade banda larga da internet permitiu a ascensão das redes sociais, com seus aplicativos de mensagens, Youtube, Facebook, Instagram e tantas outras formas de conectividade, dando vez e voz a pessoas anteriormente anônimas, sendo que algumas passaram a influenciar o pensamento e comportamento de várias pessoas, e outras se aglutinaram em bolhas de ideias compartilhadas e pensamentos comuns.


Essa experiência inicial, com a evolução dos apps, trazendo novas funcionalidades, como a criação de grupos de mensagens, permitiu aos interessados agregarem-se em torno de temas como família, trabalho, partidários de determinados políticos e tantas outras possibilidades.


Desde a criação do fogo (primeira tecnologia humana), a humanidade tenta equilibrar o uso de suas invenções, mitigando os possíveis danos decorrentes do uso indevido. Não é diferente com a criação do espaço digital.


Com esse novo poder conquistado de presença e conectividade nas redes sociais, que permitiu inovações, inclusive disruptivas em vários setores da sociedade, facilitando o trabalho, a comunicação e tantos outros benefícios, não demorou a chegada dos haters especializados em atacarem seus alvos, objetivando denegrir a imagem, numa sinistra relação de ódio, revelando os equívocos de interpretação do significado da liberdade de expressão.


Para além dos haters, as redes sociais e plataformas digitais serviram também de canal para disseminar preconceito, opiniões polêmicas e limítrofes, inclusive de polarização política ou mesmo ideais que revelam machismo, misoginia, racismo, capacitismo em seu conteúdo de fundo, e outras que se constituem agressão direta contra determinada figura pública, seja artista, seja candidato, seja político.


A violação das regras que resguardam a liberdade de expressão permite a disseminação massiva de desinformação (fake news) prejudicando toda a coletividade e, também, processos eleitorais.


É fenômeno social complexo e que compromete diretamente a cidadania digital.


A prof. Dra. Regina Célia Pedroso, que em seu artigo sociológico, “Reflexão Crítica do Direito”, já descrevia em 2010, a importância do entendimento dos fenômenos sociológicos em relação a chegada da internet:


“O mundo atual requer, mais do que nunca, um olhar aguçado quanto a realidade que nos cerca. Compreender as dimensões sociais em suas múltiplas facetas pode nos tornar seres humanos mais preparados para enfrentar as dificuldades vindouras. (...) No mundo atual somos bombardeados por informações provenientes de todos os meios. A internet, a televisão, o rádio, os meios impressos, o cinema, enfim; imagens, palavras que cruzam fronteiras terrestres e disseminam o meio em que vivemos. Como saber selecionar o que vemos e o que lemos? Como interpretar essas informações? E, como interagir de forma construtiva ou mesmo tomar posição frente à análise verificada?” (prof. Dra. Regina Célia Pedroso)


Os direitos fundamentais, entre os quais está a liberdade de expressão, são conquistas dos Estado Democrático de Direito. Nos estados não democráticos a liberdade de expressão não é garantida, não podendo os cidadãos acessarem material jornalístico, internet, ou mesmo apps sem que estejam permitidos pela autoridade central estatal, a exemplo da China e da Coréia do Norte.


Na história recente do Brasil, durante o período da ditadura cível militar, a liberdade de expressão foi suprimida pelo AI-2, com vários jornais, artistas, músicas censuradas, pelo entendimento de que seriam contrárias ao regime então estabelecido e perturbadoras da ordem por divulgarem informações naquele momento não desejadas pelos ocupantes do poder estatal.


Por isso, com a Constituição Federal de 88 pós ditadura militar, a liberdade de expressão foi colocada no capítulo de direitos fundamentais, em seu art. 5º, IX:


É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Como cláusula pétrea da Constituição Federal, não pode a liberdade de expressão ser objeto de deliberação de qualquer proposta tendente a retirá-la desse patamar constitucional, o que equivaleria a abolir os direitos e garantias individuais (vide o art. 60, § 4º da CF).


Mas, a liberdade de expressão não é ilimitada, possuindo fronteiras definidas pela própria Constituição Federal e pelas normas legais, podendo uma pessoa se expressar, desde que essas palavras, textos, gestos e todas as formas possíveis de expressão do pensamento humano, não atinjam a esfera privada de outro individuo ou viole regras e regulamentos, praticando assim crimes/infrações não admitidas pela lei brasileira.


Nesse ponto, importante lembrar que permanecem em vigor, a tipificação dos crimes de calúnia (art. 138 código penal - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime); difamação (art. 139 código penal - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação); e, injúria (art. 140 código penal - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro).


O texto constitucional é de 1988 e, portanto, não poderia prever a revolução das comunicações com o surgimento da internet, muito menos a atual era digital cuja característica dominante é a velocidade, bem como a disseminação das redes sociais e veículos de comunicação em massa.


Com o fenômeno da internet, a Lei nº 12965/2014, que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, trouxe em seu art. 3º:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I -garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal.

Em outro post falaremos especificamente do Marco civil da internet (Lei nº 12965/2014).


Além do Marco civil, outras iniciativas de regulamentação devem ser mencionadas:


a) Projeto de Lei nº 2630/20 (Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet), iniciado no Senado e ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, tendo por ementa:


Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.

FASE DE TRAMITAÇÃO: aprovado no Senado encontra-se na Câmara dos Deputados e um dos pontos de acréscimo seria: “proibir as redes sociais de cancelar perfis ou retirar conteúdos que firam os termos de serviço, como podem fazer hoje, exceto se houver ´justa causa´”.



a) Art. 2º do Projeto de Lei 2.108 (relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito; e revoga a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 - Lei de Segurança Nacional, e dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das Contravenções Penais). Acrescentava a especificação temática "Comunicação enganosa em massa" e o art. 359-O à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940


Comunicação enganosa em massa:

Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.”



“A proposição legislativa estabelece como tipo penal a comunicação enganosa em massa definindo-o como ‘promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral’, estipulando pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objeto da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou (mesmo sem intenção de massificá-la), bem como enseja dúvida se o crime seria continuado ou permanente, ou mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o que acaba por provocar enorme insegurança jurídica. Outrossim, o ambiente digital é favorável à propagação de informações verdadeiras ou falsas, cujo verbo ‘promover’ tende a dar discricionariedade ao intérprete na avaliação da natureza dolosa da conduta criminosa em razão da amplitude do termo.

A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraqueceria o processo democrático e, em última análise, a própria atuação parlamentar.”


Esse projeto de lei foi sancionado com vetos, e transformou-se na Lei nº 14.197/21.


Por esses exemplos, verifica-se que ainda é preciso avançar no tema pelos legisladores, pela sociedade civil, pelos operadores do direito no processo de construção de cidadania digital que passa essencialmente pela regulamentação do uso da internet e das redes sociais, e os limites conferidos ao mau uso da liberdade de expressão.


Esse debate já está atrasado tendo em vista que novos fenômenos já estão se tornando palpáveis como:

metaverso, web3 (world wide web) e todas as aplicações descentralizadas que já estão impactando e desafiando regulamentações.

Você já pensou como a liberdade de expressão, enquanto direito e garantia constitucional, irá ser garantida e preservada, na interação nessas plataformas descentralizadas?


Ainda não se conseguiu estabelecer regras claras para os padrões atuais de internet, e os novos desafios já foram lançados.




REFERÊNCIAS

PEDROSO, Regina Célia. Reflexão crítica do direito – os profissionais da área jurídica têm no pensamento sociológico um grande aliado na busca pela justiça. Revista Sociologia. São Paulo, n.28, p. 56-59, 2010.




Flávia Valéria Nava Silva

Certificada pela Unic em digital currencies.

Mestranda em Blockchain e Criptocurrencies pela University of Nicosia (Unic) pelo departamento Institute for the future.

Pós-graduada em Direitos Difusos, Coletivos e Gestão fiscal pela ESMP/MPMA.

Promotora de Justiça no Estado do Maranhão.

Pesquisadora em inovação, futuros, direito e cidadania digital.

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