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  • Demetrius Silva Matos

Taxas máximas de propinas

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(Ou a mais bizarra história envolvendo corrupção administrativa no Império Bizantino).


Segundo o dicionário, corrupção originada do latim “corrumpere” (o que se rompe, aquilo que se quebra), a quebra da confiança depositada naquele que tem o dever de guardar a coisa pública, gerando também o ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, geralmente com oferecimento de dinheiro.

A corrupção é o que mais se aproxima da ideia de onipresença fora dos círculos teleológicos. Não importa o continente, o País, a cultura, a história nacional, ela estará presente, seja desde pequenos “incentivos” para fiscais de modo a não receber uma multa, seja através de desvios escandalosos envolvendo grandes somas de dinheiro destinados a áreas públicas, obviamente em menor ou maior escala, a depender de inúmeros fatores. Embora ninguém seja tolo o bastante para dizer em alto e bom tom que é a favor da corrupção, é certo que muitos a praticam independente da etnia e da classe social.

A corrupção nasceu com a humanidade, em seu desejo eterno de sempre conseguir mais do que tem direito: nasceu com a humanidade, e me atrevo a dizer que somente morrerá junto com ela.


Diversas medidas foram feitas por inúmeros Países para tentar ao menos limitar a corrupção, sendo que no caso brasileiro pode-se citar a Lava-Jato, operação fajuta e parcial, com seus principais icones atolados na lama atualmente, que embora atualmente bastante questionada pelos atos e falas de seus dirigentes (buscou lidar com a corrupção).

Tendo em conta esse cenário, imaginem o seguinte posicionamento: ao invés de tentar combater a corrupção, que parece uma luta sempre fadada ao fracasso, por que simplesmente não permitir que ela exista tranquilamente, uma vez que basicamente todos a praticam, sendo realizadas apenas algumas pequenas medidas para evitar abusos extremos e caos total decorrentes da corrupção?


Calma pessoal, sei que nesse exato momento vocês estão pensando nos mais feios nomes para insultar tanto a mim quanto provavelmente a minha progenitora, então abaixem os paus; pedras e serras elétricas e vamos conversar como pessoas civilizadas. Com minha colocação anterior, não estou defendendo a corrupção, (afinal, não sou nenhum tolo), apenas foi a melhor forma de conduzi-los a seguinte história. Vejamos agora como um Império simplesmente desistiu de combater a corrupção, preferindo em seu lugar regularizá-la, de modo a evitar o caos completo.


Estamos no século 6, já fazia quase um século desde que o general ostrogodo Odoacro depôs o infante Rômulo Augusto, último imperador romano ocidental, marcando o fim do Império Romano no ocidente, período ao qual vocês provavelmente aprenderam na escola como o início da Idade Média. Embora “Roma” tenha “morrido” no ocidente, sua metade oriental permaneceu firme. Sim, estou me referindo ao (sempre ignorado nas aulas de história dos ensinos fundamental e médio) Império Romano Oriental, mais conhecido como Império Bizantino em homenagem ao primeiro nome de sua capital, Constantinopla, que inicialmente se chamava Bizâncio.


Desde a península Balcânica até os distantes e áridos desertos do Egito e da Síria o espirito de Roma foi preservado (para o bem e para o mal). Embora tivessem com todo certeza uma melhor sorte do que sua metade ocidental, o Império Bizantino não estava livre de ameaças externas e internas; a leste, mais ou menos no que hoje corresponde aos atuais Iraque e Irã, existia a eterna ameaça do Império Sassânida, último Estado autenticamente persa antes da ascensão do islã, ao qual disputava com o Bizantino o controle da região, levando a inúmeras guerras entre ambos (sim meus leitores, o Oriente médio já era uma área conturbada muito antes do petróleo obter qualquer importância; pensa numa região boa pra se morar!).

Já em relação a ameaça interna, existia a má administração de inúmeros imperadores bem como de seus subordinados, que levavam a inúmeras consequências, dentre elas a uma endêmica corrupção administrativa. O sistema administrativo bizantino agravou as diferenças entre ricos e pobres, uma vez que fornecia serviços cuja qualidade e pronto atendimento variava a depender da riqueza das pessoas. A burocracia imperial exigia inúmeros maços de papelada e taxas para praticamente todos os aspectos da vida diária (qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência), que iam desde permissões comerciais até reclamações jurídicas.


Praticamente tudo dependia de autorização, e para obter a autorização era necessário chamar a atenção do funcionário público certo. Para os integrantes da classe alta do Império Bizantino isso era fácil de se obter, uma vez que contava com contatos para obter uma audiência com dito funcionário bem como com a riqueza necessária para acelerar o caso com o pagamento de propinas, de modo a “estimular” o funcionário a tomar seu pedido de prontidão.


Já para aqueles que possuíam fundos limitados estavam em grave desvantagem, pois teriam dificuldades em pagar as propinas generosas que os funcionários públicos bizantinos esperavam para realizarem seus deveres. Sem suborno, nada era feito. A corrupção era tão presente que os imperadores bizantinos, ao se darem conta dessa situação, permitiram-se pagar baixos salários aos seus funcionários públicos a fim de obterem um maior valor a ser gasto em seus próprios projetos, pois era sabido que estes funcionários obteriam sua “complementação de renda” pelos subornos pagos pelo povo. Conta-se que João, o Lídio, administrador público bizantino no século VI, chegou a mencionar que ganhou trinta vezes mais do que seu salário anual durante seu primeiro ano no cargo por meio de pagamentos dos requerentes.


Esse sistema completamente podre não demorou muito a se tornar danoso. As pessoas comuns realizavam empréstimos de modo a obter o valor necessário para subornar os funcionários a realizarem seus deveres, e uma vez que as taxas de juros do Império Bizantino eram altas, dívidas pesadas eram cada vez mais comuns. De modo a evitar a autodestruição do sistema do Império pela eterna ganância dos funcionários públicos bizantinos, inúmeros imperadores fizeram o impensável: publicaram uma lista oficial estatal das propinas máximas que os funcionários poderiam cobrar. Sim, vocês não leram errado, existia uma lista que continha o valor máximo que qualquer funcionário poderia cobrar como “compensação de renda”, ou seja, cobrou um valor abaixo do presente na lista, não é crime; cobrou um valor acima do presente na lista, então agora teremos problemas. Com essa reflexão, encerro este artigo.


Portanto, sempre que você pensar entristecido que mora no País mais corrupto da Terra, fique feliz em saber que, não importa o grau da corrupção em seu País, nunca verá uma lista contendo os valores máximos que algum funcionário público possa cobrar como propina, de modo a deixar clara e naturalizada essa prática.

Os bizantinos não tiveram tal sorte.

Fonte para aprofundamento:

MARTIN, Thomas R. Roma Antiga: de Rômulo a Justiniano. Porto Alegre: L&PM editores, 2014.


Por DEMETRIUS SILVA MATOS

Advogado, Bacharel em Direito pela UNDB, Pós Graduado em Ciências Políticas pela Uninter e Direito Constitucional (IMADEC)

Autor do livro: "Direito na Ditadura - o uso das leis e do direito durante a ditadura militar"

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