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O QUE SÃO TRIBUNAIS ON-LINE e como eles podem agilizar a justiça

  • Foto do escritor: Flávia Valéria
    Flávia Valéria
  • 4 de jun. de 2022
  • 5 min de leitura

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Não, não são os “tribunais de cancelamento” no twitter ou de outras redes sociais. O tribunal on-line que será abordado neste post é integrante do sistema de justiça de um Estado soberano.


A atual transformação digital da sociedade também impactou os operadores e os sistemas de justiça, especialmente durante o recente período pandêmico, no qual a justiça brasileira, e os diversos países no mundo, tiveram que migrar rapidamente seus sistemas para operar em modo virtual.


Será que realmente a justiça brasileira possui tribunais on-line?

Entendo que ainda não.


Um tribunal on-line não se confunde com um tribunal que funciona de forma on-line, nos mesmos moldes e padrões que um tribunal presencial. Não basta trazer o tribunal para o on-line, pois sem efetuar as mudanças na forma de se oferecer justiça, não se pode falar em tribunal on-line.


Então, o que seria um tribunal on-line?


Para a existência de um tribunal on-line primeiro é preciso verificar se esse tribunal aplica proposições de ODR (Online Dispute Resolution - sistemas de resolução de conflitos on-line), com oferta de informações jurídicas ao seu usuário com base na análise de dados via machine learning.

Antes de aprofundar esse conceito, importante retroceder para a inspiração atual do conceito de tribunais on-line, que encontra seus registros nas plataformas como amazon, pay pal, alibaba, mercado livre e muitas outras.


Essas plataformas utilizam espaços digitais nos quais as partes podem resolver conflitos ou terem seus conflitos resolvidos. É o chamado sistema de Resolução de Conflitos on-line, ou simplesmente ODR.


Se você já adquiriu algum produto nessas plataformas, já percebeu a existência de mecanismos internos para lidar com disputas entre comprador e vendedor, cabendo a decisão final dentro desse sistema, à plataforma.


O sistema funciona por meio de:

*provisões de informações.

*neutralidade no provimento dos dados;

*igualdade entre as partes, por estarem no mesmo patamar;

* expectativa de ambas as partes para resolverem bem o conflito;

*mediação por uma pessoa ou um sistema que apresenta uma proposta;

*por fim, um humano ou um software irá decidir, sendo a decisão executada imediatamente já que a plataforma é detentora dos meios de pagamento (números de cartões de créditos cadastrados) e de autorização para fazê-lo. Sim, estão naquelas letrinhas miúdas...



No setor privado a ODR funciona muito bem. E com base nessa experiência exitosa, os tribunais dos sistemas de justiça de um Estado se inspiram para a concepção de um tribunal on-line. Apesar da ODR ser porta de entrada para essa nova concepção de justiça, este não se esgota com a presença da ODR, necessitando para sua caracterização como um tribunal on-line de outros requisitos como:


*a adoção de ferramentas de inteligência artificial (IA) para auxiliar juízes em suas decisões;
*a presença de tecnologia que incentive e permita às partes negociarem seus conflitos diretamente, além de possibilitar a mediação como primeira etapa;
*novas formas de comunicação como e-mails oficiais, whatsapp, ou aplicativos semelhantes e chamadas de vídeo, além da utilização de “visual law”.

Quanto a este último ponto faço uma ponderação: os tribunais de justiça devem desenvolver seus próprios meios de comunicação para garantir a custódia central tanto das informações como da segurança dos dados. Afinal a atual regulamentação da LGPD e, também, os casos no Brasil de aplicação da GPDR (a LGPD da Europa) requerem atenção dos tribunais de justiça, ainda mais os on-line.


Não se pode perder de vista que as atuais redes sociais, como telegram, whatsapp e tantas plataformas oferecem serviços ao público, são entidades privadas, com acionistas interessados, e, portanto, objetivando o lucro, além do que podem de uma hora para outra pararem suas atividades ou durante os ataques cibernéticos ou paralisações para manutenção, sem necessidade de aviso prévio. Depender desses sistemas privados, sujeitos a interrupções e paralisações, pode comprometer a própria agilidade e celeridade da justiça, que é um serviço Estatal, com regras e princípios próprios.


Durante os anos mais críticos do período pandêmico (2020-2021), era justificada a adoção dos meios disponíveis de comunicação para evitar a total interrupção dos serviços e atividades judiciais. Com esse aprendizado, já passou da hora do desenvolvimento de serviços próprios, sem fazer uso de plataformas privadas, seja para e-mail, comunicações/intimações rápidas entre as partes, deixando as redes sociais atuais para divulgação do conteúdo do tribunal ou instituição de justiça, marcando sua presença digital.


Em relação a inteligência artificial (IA) a ser usada nos tribunais de justiça tem-se no momento as seguintes funcionalidades:


*machine learning – utilizada para descobrir padrões ocultos nos dados alimentados no sistema;
*oferecer recomendações de caráter não obrigatórios aos juízes humanos;
*recomendar que certos processos não sejam levados à diante;
*substituir juízes humanos em alguns casos (como o julgamento das pequenas causas na Estônia que já é feito com o uso de juízes robôs, sem participação humana).

As vantagens da utilização do tribunal on-line seriam:

*incentivo aos acordos;

*possibilidade de redução dos litígios;

*crescimento da consistência das decisões, permitindo às partes leigas entender todos os passos do processo;

*eficiência ao promover resoluções de conflitos de forma rápida.


Para além dessas vantagens, os tribunais on-line enfrentam três desafios principais:


*Combater a exclusão digital – uma vez que a ausência de inclusão digital pode comprometer todo o acesso à justiça em um tribunal on-line, e à própria cidadania digital, já que alterada a forma de se oferecer justiça.
*Incrementar a cibersegurança – o STF e o STJ além de outros tribunais já sofreram ataques de hackers deixando os seus sistemas indisponíveis. O risco que deve ser prevenido é o ataque que criptografe processos on-line e alteram decisões judiciais.
* evitar o viés algorítimico – é o maior desafio da utilização de IA nos tribunais. O algoritmo, após programado, aprende com a base de dados que o alimenta, que por sua vez utiliza dados produzidos por uma sociedade enviesada, ou seja, não igualitária, que depende de outros mecanismos para garantir direitos a minorias. O risco é que o algoritmo aprenda esses vieses, tratando como naturais e legítimos e passe a reproduzi-los e, assim, continue a afetar grupos historicamente vulneráveis.

O Brasil efetivamente ainda não adotou os tribunais on-line, estando ainda numa fase de migração dos processos judiciais para o meio on-line, contando com algumas iniciativas esparsas de alguns tribunais, como o STF com o seu projeto do Sistema Victor para lidar com alguns temas dos recursos repetitivos (falarei dele em post específico).


Para tentar exemplificar o funcionamento de um tribunal on-line, uma possível tramitação de uma ação de alimentos deveria, no meu entendimento, percorrer a seguinte sequência:

1- petição no meio eletrônico para o juízo competente;
2- A inteligência artificial adotada, após confirmar os dados de identificação digital das partes, faria a busca dos dados dos envolvidos/interessados partes, inclusive o rastreio de bens e rendimentos;
3- Essa IA emitira um relatório dessas informações e entregaria a proposta de acordo com base nos rendimentos/bens do alimentante e necessidade do alimentando, apontando a estatísticas das decisões anteriores já prolatadas pelo juízo em casos similares em especial os patamares dos valores aplicados;
4- com esses dados as partes estariam aptas a participar da mediação, já com conhecimento de como funciona o processo e os valores possíveis, fundamentando assim um possível acordo;
5- frustrada essa possibilidade, a decisão seria prolatada, ainda, por um juiz humano, após intervenção dos atores judiciais.

Esse passo a passo é ainda hipotético.


Nesse sentido, as atuais experiências de audiências em workspaces num ensaio de metaverso também não podem ser confundidas com a existência de um tribunal on-line, enquanto aptidão para solução de demandas jurídicas.


Por outro lado, o atual fetiche pelo retorno às audiências presenciais poderá retardar ainda mais os avanços a serem promovidos para a existência de um tribunal on-line, havendo risco concreto de se perder as conquistas alcançadas com a experiência e resultados alcançados durante o período pandêmico.


Se ainda não se pode falar efetivamente numa transformação digital do sistema de justiça que culmine em um tribunal on-line, o que dizer dos demais atores do sistema de justiça.


O impasse atual já está instalado: por um lado, uma sociedade que avança velozmente; por outro, um sistema de justiça ainda lento para atender essa sociedade veloz, que já está vivenciando, em alguns setores, intensos processos de transformação digital.


Nesse sentido, os tribunais on-line serão o FUTURO DA JUSTIÇA.



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Flávia Valéria Nava Silva

Certificada pela Unic em digital currencies.

Mestranda em Blockchain and Criptocurrencies pela University of Nicosia (Institute for the future).

Pós-graduada em Direitos Difusos, Coletivos e Gestão fiscal pela ESMP/MPMA.

Promotora de Justiça no Estado do Maranhão.

Pesquisadora em inovação, futuros, direito e cidadania digital.

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